Será que a tecnologia acarreta realmente uma melhora na qualidade de vida para todas as pessoas? Será que estamos no rumo certo? Poderia estar a Ciência e a Tecnologia reféns da futilidade, e se distanciando cada vez mais do bem social? Vamos fazer uma reflexão sobre estes tão complexos e controversos temas.
O objetivo deste texto é
relacionar e confrontar os caminhos da ciência e da tecnologia atuais com os
preceitos da sociedade de hoje. A disciplina que estuda a interação entre estas
áreas é a Ciência, Tecnologia e Sociedade - CTS, e no livro homônimo de Santos et al. (2004) estes conceitos estão bem discutidos
e definidos. Este acaba desmistificando as imagens essencialistas da ciência e
tecnologia e revelando-as como complexas atividades humanas, dependentes,
dentre outros fatores, do contexto social e de interesses políticos e econômicos,
que nem sempre são morais e éticos. O primeiro capítulo “Ciência, Tecnologia e
Sociedade: O estado da Arte na Europa e nos Estados Unidos”, será utilizado
para fazer a abordagem e analisar os caminhos da ciência e tecnologia no mundo.
E posteriormente, o enfoque será em um ramo muito importante da ciência, as
chamadas Interfaces Cérebro-Máquina - ICM. Estes são aparelhos capazes de ler
ondas cerebrais ou impulsos nervosos enviados por nosso cérebro e
transformá-los em comandos eletrônicos que podem comandar próteses ortopédicas,
sensores eletrônicos ou qualquer equipamento externo. Porém, antes veremos
pontos importantes no desenvolvimento dos conceitos da CTS.
Na primeira metade do século XX o
desenvolvimento tecnológico deu um grande salto movido pela II guerra mundial,
e foi apresentado ao mundo como a salvação da humanidade. Conforme o livro de
Santos (2004) “somente é possível que a tecnologia possa atuar como cadeia
transmissora no desenvolvimento social se sua autonomia é respeitada, se deixa
de lado a sociedade para atender unicamente a um critério interno de eficácia
técnica” (p. 13). Este trecho mostra uma arrogância dos cientistas da época,
achando que a ciência e tecnologia deveriam estar afastadas da sociedade, e que
apenas os conhecedores a fundo de suas descobertas científicas estariam aptos a
definir o seu papel na humanidade. Esta é claro, uma visão ultrapassada, mas
que acabou colaborando para a criação da CTS. E será que esta visão distorcida
realmente não é mais encontrada hoje? Bem, a resposta é não. Grande parte da
ciência e tecnologia ainda é refém de interesses financeiros e pessoais, da
vaidade de pesquisadores que quase sempre estão pendurados em cargos de
instituições públicas, que se quer utilizam uma visão ampla envolvendo a
sociedade, há uma total falta de planejamento do setor público, justamente quem
deveria zelar pela sociedade. E em países em desenvolvimento como o Brasil esse
problema é ainda maior. Em entrevista ao site de notícias IG o renomado
neurocientista brasileiro Miguel
Nicolelis que trabalha na Duke
University, nos Estados Unidos, fala dessa visão sem planejamento da
ciência brasileira, dos atrasos na aprovação de leis, do grande entrave
burocrático existente e da perda de várias correntes científicas e tecnológicas
por parte do Brasil. Ficando hoje muito atrás, por exemplo, na revolução da
nanotecnologia. Segundo o pesquisador já produzimos um grande volume de artigos
científicos, mas infelizmente a qualidade não é muito boa, pois há uma pequena
participação de artigos brasileiros na vanguarda da ciência mundial. Visando
enriquecer a discussão a respeito da ciência e da tecnologia e sobre o mito de
serem, em última análise, benfeitoras, Santos et al. (2004) comenta “não devemos esquecer, para completar esse
negro panorama, campos científicos- tecnológicos tão problemáticos como a energia
nuclear ou a biotecnologia” (p. 30). O acidente nuclear em Fukushima no Japão e
o polêmico programa nuclear norte-coreano são exemplos que corroboram com o posicionamento
dos autores. O acidente no Japão ocorreu em março do ano de 2011 e teve como causa
o tsunami que arrasou as instalações da central nuclear, afetando os sistemas
de resfriamento dos reatores e geradores de emergência situados no subsolo. E
em um país onde esse fenômeno natural derivado dos terremotos é tão comum,
esses danos não foram previstos? Foram sim, mas acabaram sendo negligenciados
por parte do governo e das agências reguladoras japonesas. Estas adiaram as
decisões necessárias para tornar a usina mais seguras, conforme resultado final
da comissão parlamentar que averiguou o caso. Como uma das consequências do
desastre em Fukushima, pode-se mencionar o que foi relatado pelo site de
notícias G1: o fato de que cerca de 50 mil moradores dos municípios mais
próximos da usina nuclear continuam sem poder retornar as suas casas por causa
das emissões radioativas. Estas afetam gravemente a agricultura, a pecuária e a
pesca local. Para José Goldemberg, professor da USP, o uso da energia nuclear é
um assunto muito sério, tendo em vista os cuidados inerentes ao seu uso,
especialmente os referentes ao armazenamento dos resíduos produzidos. Conforme
ele diz: “Não se conseguiu até hoje fazer um reservatório adequado para guardar
esse "lixo" que seja definitivo, apesar de já existirem 70 mil
toneladas guardadas em depósitos provisórios no próprio local onde se encontram
os reatores nucleares.” Outro exemplo que corrobora com o posicionamento dos
autores do livro é o programa nuclear norte coreano. A Coreia do Norte, que
realiza testes nucleares desde 2006, com explosão de bombas e lançamento de mísseis,
põe uma situação de constante insegurança nos países vizinhos. Estes exemplos
confirmam a exclusão da sociedade como um todo, em questões do desenvolvimento
científico e tecnológico que envolve diretamente a vida dessas pessoas. Ficando
evidente, por exemplo, no Japão que estas pessoas não foram consultadas e não
tinham o real conhecimento quanto aos perigos da opção energética nuclear
adotada como matriz energética em todo o país. Entretanto, podemos observar que
a tecnologia não é somente algo ruim que devemos temer, esta auxilia de forma
extremamente positiva na melhoria de nossas vidas, principalmente na área médica,
sendo muito difícil imaginar o mundo sem o suporte dos meios tecnológicos.
Porém, o desenvolvimento sem participação efetiva da sociedade como um todo
está levando a ciência e a tecnologia cada vez mais para um grupo específico da
população, os mais ricos, deixando os grandes avanços mais distante da
população em geral. O que vemos é uma desigualdade cada vez maior no mundo,
onde num extremo, por exemplo, grande parte da população está desnutrida e
sofrendo com a fome e no outro está sofrendo com a obesidade.
Atualmente, existem ramos da
ciência e tecnologia que especificamente iniciaram-se com um apelo social, voltados
essencialmente para o bem estar da sociedade, a Interface Cérebro-Máquina é um
destes. Diversas pesquisas sobre exoesqueletos respondendo a impulsos nervosos,
e a utilização do controle cerebral para atividades diversas, são realizadas em
todo o mundo. Apesar de muitos acreditarem que isso é algo futurista, muitos
pesquisadores já obtiveram resultados positivos em seus estudos, com aplicações
reias já desenvolvidas e testadas em baixa escala, voltada principalmente para
a construção de próteses (ortopédicas, sensores de som, de luz e etc),
devolvendo a pessoas, ainda de forma não muito eficiente, movimentos aos
membros, restaurando a audição e recuperando parcialmente a visão. Um grande exemplo
do avanço neste ramo científico é o projeto “Walk Again ou Andar de Novo” liderado
pelo neurocientista Miguel Nicolelis. Este é extremamente ambicioso, e tem como
objetivo principal utilizar um exoesqueleto para devolver o controle de
movimentos motores para pessoas que já não os tem mais. O equipamento estará preso por presilhas ao corpo de uma pessoa
com deficiência motora, ou com membros amputados, como se fosse um segundo par
de pernas e braços. O importante é que o usuário
poderá controlar os movimentos do exoesqueleto somente pensando nos movimentos
que deseja executar. O conteúdo da
reportagem “O Cérebro no Controle: os novos poderes da mente” da revista
Galileu explora este campo da ciência e tecnologia e enfatiza o trabalho
de Nicolelis. Este projeto já vem sendo desenvolvido há alguns anos e tem o
auxilio de centenas de cientistas trabalhando no Brasil e no exterior. Uma de
suas metas era construir um protótipo e demonstrar o seu funcionamento, fazendo
o usuário caminhar sozinho e dar o chute inicial na bola do jogo de abertura da
Copa do Mundo de Futebol no Brasil. Porém, o resultado foi muito preliminar e
só foi conseguido que o usuário com o exoesqueleto apoiado desse um pequeno
chute a uma bola que estava a centímetros do seu pé. Havendo muito ainda o que
aprimorar, porém esse já foi um grande passo dado nessa área. A reportagem
também destaca o trabalho do brasileiro doutor em biomédica Carlos Criollo, que
em seu laboratório na UFMG, utiliza um aparelho que pode ler as ondas
produzidas pelo cérebro através de eletrodos. E demonstra ser possível utilizar
a interface como um joystick, pensando nos movimentos, estes são captados pelos
eletrodos colocados na cabeça, decodificados pela interface e passam a controlam
um cursor na tela. Essa tecnologia já vem sendo utilizada, existindo
dispositivos que utilizam o mesmo princípio para um jogo que tem como objetivo
mover uma bolinha virtual de um lado para o outro com a força dos pensamentos. A
reportagem também explora os entraves a esta tecnologia, explicando as
dificuldades da captação de ondas celebrais por eletrodos, sendo muito complexa
a interpretação dos dados para a execução de movimentos mais precisos. Isso
poderia ocasionar uma inversão do sentido da interface do homem controlando a
máquina, exigindo algoritmos tão complexos que acabaria ocasionando na máquina
controlando o homem. O trabalho que consagrou o neurocientista Miguel Nicolelis
apresenta uma tecnologia mais invasiva, utilizando implantes eletrônicos
diretamente conectados ao cérebro, o que facilita a interpretação dos impulsos
nervosos quando são coletados diretamente na fonte, no caso o cérebro. Este
princípio já foi demonstrado por Nicolelis com o implante cerebral em macacos,
que foram treinados e conseguiram movimentar um braço robótico apenas pensando
nos movimentos. Porém, um problema dos implantes cerebrais é a cicatrização das
áreas em contato com o dispositivo eletrônico, que com o tempo acaba diminuindo
a intensidade dos impulsos elétricos, gerando uma maior dificuldade na captação
deste e uma interferência no sinal elétrico. Mas, segundo o neurocientista a
cicatrização completa da área não ocorre, como alguns pesquisadores previam, e
a utilização de drogas que inibam estes efeitos pode resolver o problema desta
interferência no sinal. A reportagem da revista Galileu vai além, dizendo que
em um futuro não muito distante possa existir uma rede mundial de cérebros,
onde as pessoas poderiam comunicar-se apenas por pensamentos. Será? Teremos que
esperar pra ver. O fato é que até então esta tecnologia ICM estava voltada para
devolver movimentos a membros imóveis ou amputados através de próteses, e que
agora surgi uma forma de explorar comercialmente esta tecnologia. Esta vem ganhando
cada vez mais notoriedade com interesses de grandes empresas visando o controle
de máquinas e equipamento via pensamento. Com aplicações que visam à
substituição de controles manuais em geral, mouses, teclados, vídeo game,
direção de automóveis, etc. E até mesmo nas redes sociais onde poderia ser
realizado um post apenas utilizando o
pensamento. É triste pensar que uma tecnologia tão nobre do ponto de vista do
seu potencial social (devolver os sentidos as pessoas), precise ser banalizada
para tornar-se viável e acessível à sociedade.
Há um problema claro da falta de
democratização da tecnologia, precisando este começar a ser resolvido primeiramente
com educação, enraizando cada vez mais uma cultura de CTS nas pessoas. Assim,
uma geração mais consciente pode começar a exigir dos governantes diretrizes
mais específicas quanto ao uso de novas tecnologias, vigiando a aplicação de
recursos públicos em pesquisa, por exemplo, devendo estes estarem focados essencialmente
em tecnologias sociais. É necessário cobrar um pensamento mais coletivo e
próximo da sociedade que vise o desenvolvimento sustentável. É preciso
ressaltar que esta visão já é antiga e a adoção do desenvolvimento sustentável
também, empresas multinacionais já adotam isto há décadas. A compensação de
carbono que já está normalizada internacionalmente é um exemplo disto, sendo um
avanço deste conceito. Estas multinacionais precisam compensar a emissão de gás
carbônico na atmosfera de suas atividades, obrigatoriamente investindo em
projetos de desenvolvimento sustentável pelo mundo. Em contra partida recebem o
selo verde, podendo, por exemplo, capitalizar suas empresas com recursos financeiros
mais baratos. Porém, está ainda é uma política quase que exclusiva dos países
desenvolvidos. Como conclusão temos que é imprescindível que o custo real das
tecnologias chegue ao conhecimento da maioria da população, os impactos
sociais, econômicos e ambientais precisam ser levados em conta na adoção das
tecnologias. A ciência e tecnologia tem que deixar de ser usada essencialmente
de forma banal e precisa passar a ter em sua grande parte um caráter social.
Sendo esta a questão mais importante da CTS, primordialmente abordada no livro
de Santos (2004).
Referências
- SANTOS, Lucy
W. dos... [et al.] (orgs). Ciência,
Tecnologia e Sociedade: o desafio da interação. Londrina: IAPAR, 2004.
- CEREZO, José
Antônio López. Ciencia, Tecnologia y Sociedad ante la Educación. In: Iberoamericana
de Educación, Espanha, n.18, p.41-48, set/dez 1998.
-
MADOV, Natasha. Miguel Nicolelis quer
espalhar ciência pelo Brasil. Disponível:<http://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/miguel+nicolelis+quer+espalhar+ciencia+pelo+brasil/n1597087584972.html>.
Acesso em: 02 jan. 2014.
- BERNARDO,
André. O Cérebro no Controle: os novos poderes da mente. In: Galileu, Rio de Janeiro, n. 246, p.
39-47, jan 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário