sábado, 5 de julho de 2014

Ciência, Tecnologia e a Sociedade.

Será que a tecnologia acarreta realmente uma melhora na qualidade de vida para todas as pessoas? Será que estamos no rumo certo? Poderia estar a Ciência e a Tecnologia reféns da futilidade, e se distanciando cada vez mais do bem social? Vamos fazer uma reflexão sobre estes tão complexos e controversos temas. 




O objetivo deste texto é relacionar e confrontar os caminhos da ciência e da tecnologia atuais com os preceitos da sociedade de hoje. A disciplina que estuda a interação entre estas áreas é a Ciência, Tecnologia e Sociedade - CTS, e no livro homônimo de Santos et al. (2004) estes conceitos estão bem discutidos e definidos. Este acaba desmistificando as imagens essencialistas da ciência e tecnologia e revelando-as como complexas atividades humanas, dependentes, dentre outros fatores, do contexto social e de interesses políticos e econômicos, que nem sempre são morais e éticos. O primeiro capítulo “Ciência, Tecnologia e Sociedade: O estado da Arte na Europa e nos Estados Unidos”, será utilizado para fazer a abordagem e analisar os caminhos da ciência e tecnologia no mundo. E posteriormente, o enfoque será em um ramo muito importante da ciência, as chamadas Interfaces Cérebro-Máquina - ICM. Estes são aparelhos capazes de ler ondas cerebrais ou impulsos nervosos enviados por nosso cérebro e transformá-los em comandos eletrônicos que podem comandar próteses ortopédicas, sensores eletrônicos ou qualquer equipamento externo. Porém, antes veremos pontos importantes no desenvolvimento dos conceitos da CTS.
Na primeira metade do século XX o desenvolvimento tecnológico deu um grande salto movido pela II guerra mundial, e foi apresentado ao mundo como a salvação da humanidade. Conforme o livro de Santos (2004) “somente é possível que a tecnologia possa atuar como cadeia transmissora no desenvolvimento social se sua autonomia é respeitada, se deixa de lado a sociedade para atender unicamente a um critério interno de eficácia técnica” (p. 13). Este trecho mostra uma arrogância dos cientistas da época, achando que a ciência e tecnologia deveriam estar afastadas da sociedade, e que apenas os conhecedores a fundo de suas descobertas científicas estariam aptos a definir o seu papel na humanidade. Esta é claro, uma visão ultrapassada, mas que acabou colaborando para a criação da CTS. E será que esta visão distorcida realmente não é mais encontrada hoje? Bem, a resposta é não. Grande parte da ciência e tecnologia ainda é refém de interesses financeiros e pessoais, da vaidade de pesquisadores que quase sempre estão pendurados em cargos de instituições públicas, que se quer utilizam uma visão ampla envolvendo a sociedade, há uma total falta de planejamento do setor público, justamente quem deveria zelar pela sociedade. E em países em desenvolvimento como o Brasil esse problema é ainda maior. Em entrevista ao site de notícias IG o renomado neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis que trabalha na Duke University, nos Estados Unidos, fala dessa visão sem planejamento da ciência brasileira, dos atrasos na aprovação de leis, do grande entrave burocrático existente e da perda de várias correntes científicas e tecnológicas por parte do Brasil. Ficando hoje muito atrás, por exemplo, na revolução da nanotecnologia. Segundo o pesquisador já produzimos um grande volume de artigos científicos, mas infelizmente a qualidade não é muito boa, pois há uma pequena participação de artigos brasileiros na vanguarda da ciência mundial. Visando enriquecer a discussão a respeito da ciência e da tecnologia e sobre o mito de serem, em última análise, benfeitoras, Santos et al. (2004) comenta “não devemos esquecer, para completar esse negro panorama, campos científicos- tecnológicos tão problemáticos como a energia nuclear ou a biotecnologia” (p. 30). O acidente nuclear em Fukushima no Japão e o polêmico programa nuclear norte-coreano são exemplos que corroboram com o posicionamento dos autores. O acidente no Japão ocorreu em março do ano de 2011 e teve como causa o tsunami que arrasou as instalações da central nuclear, afetando os sistemas de resfriamento dos reatores e geradores de emergência situados no subsolo. E em um país onde esse fenômeno natural derivado dos terremotos é tão comum, esses danos não foram previstos? Foram sim, mas acabaram sendo negligenciados por parte do governo e das agências reguladoras japonesas. Estas adiaram as decisões necessárias para tornar a usina mais seguras, conforme resultado final da comissão parlamentar que averiguou o caso. Como uma das consequências do desastre em Fukushima, pode-se mencionar o que foi relatado pelo site de notícias G1: o fato de que cerca de 50 mil moradores dos municípios mais próximos da usina nuclear continuam sem poder retornar as suas casas por causa das emissões radioativas. Estas afetam gravemente a agricultura, a pecuária e a pesca local. Para José Goldemberg, professor da USP, o uso da energia nuclear é um assunto muito sério, tendo em vista os cuidados inerentes ao seu uso, especialmente os referentes ao armazenamento dos resíduos produzidos. Conforme ele diz: “Não se conseguiu até hoje fazer um reservatório adequado para guardar esse "lixo" que seja definitivo, apesar de já existirem 70 mil toneladas guardadas em depósitos provisórios no próprio local onde se encontram os reatores nucleares.” Outro exemplo que corrobora com o posicionamento dos autores do livro é o programa nuclear norte coreano. A Coreia do Norte, que realiza testes nucleares desde 2006, com explosão de bombas e lançamento de mísseis, põe uma situação de constante insegurança nos países vizinhos. Estes exemplos confirmam a exclusão da sociedade como um todo, em questões do desenvolvimento científico e tecnológico que envolve diretamente a vida dessas pessoas. Ficando evidente, por exemplo, no Japão que estas pessoas não foram consultadas e não tinham o real conhecimento quanto aos perigos da opção energética nuclear adotada como matriz energética em todo o país. Entretanto, podemos observar que a tecnologia não é somente algo ruim que devemos temer, esta auxilia de forma extremamente positiva na melhoria de nossas vidas, principalmente na área médica, sendo muito difícil imaginar o mundo sem o suporte dos meios tecnológicos. Porém, o desenvolvimento sem participação efetiva da sociedade como um todo está levando a ciência e a tecnologia cada vez mais para um grupo específico da população, os mais ricos, deixando os grandes avanços mais distante da população em geral. O que vemos é uma desigualdade cada vez maior no mundo, onde num extremo, por exemplo, grande parte da população está desnutrida e sofrendo com a fome e no outro está sofrendo com a obesidade.
Atualmente, existem ramos da ciência e tecnologia que especificamente iniciaram-se com um apelo social, voltados essencialmente para o bem estar da sociedade, a Interface Cérebro-Máquina é um destes. Diversas pesquisas sobre exoesqueletos respondendo a impulsos nervosos, e a utilização do controle cerebral para atividades diversas, são realizadas em todo o mundo. Apesar de muitos acreditarem que isso é algo futurista, muitos pesquisadores já obtiveram resultados positivos em seus estudos, com aplicações reias já desenvolvidas e testadas em baixa escala, voltada principalmente para a construção de próteses (ortopédicas, sensores de som, de luz e etc), devolvendo a pessoas, ainda de forma não muito eficiente, movimentos aos membros, restaurando a audição e recuperando parcialmente a visão. Um grande exemplo do avanço neste ramo científico é o projeto “Walk Again ou Andar de Novo” liderado pelo neurocientista Miguel Nicolelis. Este é extremamente ambicioso, e tem como objetivo principal utilizar um exoesqueleto para devolver o controle de movimentos motores para pessoas que já não os tem mais. O equipamento estará preso por presilhas ao corpo de uma pessoa com deficiência motora, ou com membros amputados, como se fosse um segundo par de pernas e braços. O importante é que o usuário poderá controlar os movimentos do exoesqueleto somente pensando nos movimentos que deseja executar. O conteúdo da reportagem “O Cérebro no Controle: os novos poderes da mente” da revista Galileu explora este campo da ciência e tecnologia e enfatiza o trabalho de Nicolelis. Este projeto já vem sendo desenvolvido há alguns anos e tem o auxilio de centenas de cientistas trabalhando no Brasil e no exterior. Uma de suas metas era construir um protótipo e demonstrar o seu funcionamento, fazendo o usuário caminhar sozinho e dar o chute inicial na bola do jogo de abertura da Copa do Mundo de Futebol no Brasil. Porém, o resultado foi muito preliminar e só foi conseguido que o usuário com o exoesqueleto apoiado desse um pequeno chute a uma bola que estava a centímetros do seu pé. Havendo muito ainda o que aprimorar, porém esse já foi um grande passo dado nessa área. A reportagem também destaca o trabalho do brasileiro doutor em biomédica Carlos Criollo, que em seu laboratório na UFMG, utiliza um aparelho que pode ler as ondas produzidas pelo cérebro através de eletrodos. E demonstra ser possível utilizar a interface como um joystick, pensando nos movimentos, estes são captados pelos eletrodos colocados na cabeça, decodificados pela interface e passam a controlam um cursor na tela. Essa tecnologia já vem sendo utilizada, existindo dispositivos que utilizam o mesmo princípio para um jogo que tem como objetivo mover uma bolinha virtual de um lado para o outro com a força dos pensamentos. A reportagem também explora os entraves a esta tecnologia, explicando as dificuldades da captação de ondas celebrais por eletrodos, sendo muito complexa a interpretação dos dados para a execução de movimentos mais precisos. Isso poderia ocasionar uma inversão do sentido da interface do homem controlando a máquina, exigindo algoritmos tão complexos que acabaria ocasionando na máquina controlando o homem. O trabalho que consagrou o neurocientista Miguel Nicolelis apresenta uma tecnologia mais invasiva, utilizando implantes eletrônicos diretamente conectados ao cérebro, o que facilita a interpretação dos impulsos nervosos quando são coletados diretamente na fonte, no caso o cérebro. Este princípio já foi demonstrado por Nicolelis com o implante cerebral em macacos, que foram treinados e conseguiram movimentar um braço robótico apenas pensando nos movimentos. Porém, um problema dos implantes cerebrais é a cicatrização das áreas em contato com o dispositivo eletrônico, que com o tempo acaba diminuindo a intensidade dos impulsos elétricos, gerando uma maior dificuldade na captação deste e uma interferência no sinal elétrico. Mas, segundo o neurocientista a cicatrização completa da área não ocorre, como alguns pesquisadores previam, e a utilização de drogas que inibam estes efeitos pode resolver o problema desta interferência no sinal. A reportagem da revista Galileu vai além, dizendo que em um futuro não muito distante possa existir uma rede mundial de cérebros, onde as pessoas poderiam comunicar-se apenas por pensamentos. Será? Teremos que esperar pra ver. O fato é que até então esta tecnologia ICM estava voltada para devolver movimentos a membros imóveis ou amputados através de próteses, e que agora surgi uma forma de explorar comercialmente esta tecnologia. Esta vem ganhando cada vez mais notoriedade com interesses de grandes empresas visando o controle de máquinas e equipamento via pensamento. Com aplicações que visam à substituição de controles manuais em geral, mouses, teclados, vídeo game, direção de automóveis, etc. E até mesmo nas redes sociais onde poderia ser realizado um post apenas utilizando o pensamento. É triste pensar que uma tecnologia tão nobre do ponto de vista do seu potencial social (devolver os sentidos as pessoas), precise ser banalizada para tornar-se viável e acessível à sociedade.
Há um problema claro da falta de democratização da tecnologia, precisando este começar a ser resolvido primeiramente com educação, enraizando cada vez mais uma cultura de CTS nas pessoas. Assim, uma geração mais consciente pode começar a exigir dos governantes diretrizes mais específicas quanto ao uso de novas tecnologias, vigiando a aplicação de recursos públicos em pesquisa, por exemplo, devendo estes estarem focados essencialmente em tecnologias sociais. É necessário cobrar um pensamento mais coletivo e próximo da sociedade que vise o desenvolvimento sustentável. É preciso ressaltar que esta visão já é antiga e a adoção do desenvolvimento sustentável também, empresas multinacionais já adotam isto há décadas. A compensação de carbono que já está normalizada internacionalmente é um exemplo disto, sendo um avanço deste conceito. Estas multinacionais precisam compensar a emissão de gás carbônico na atmosfera de suas atividades, obrigatoriamente investindo em projetos de desenvolvimento sustentável pelo mundo. Em contra partida recebem o selo verde, podendo, por exemplo, capitalizar suas empresas com recursos financeiros mais baratos. Porém, está ainda é uma política quase que exclusiva dos países desenvolvidos. Como conclusão temos que é imprescindível que o custo real das tecnologias chegue ao conhecimento da maioria da população, os impactos sociais, econômicos e ambientais precisam ser levados em conta na adoção das tecnologias. A ciência e tecnologia tem que deixar de ser usada essencialmente de forma banal e precisa passar a ter em sua grande parte um caráter social. Sendo esta a questão mais importante da CTS, primordialmente abordada no livro de Santos (2004).  


Referências

- SANTOS, Lucy W. dos... [et al.] (orgs). Ciência, Tecnologia e Sociedade: o desafio da interação. Londrina: IAPAR, 2004.

- CEREZO, José Antônio López. Ciencia, Tecnologia y Sociedad ante la Educación. In: Iberoamericana de Educación, Espanha, n.18, p.41-48, set/dez 1998.

- MADOV, Natasha. Miguel Nicolelis quer espalhar ciência pelo Brasil. Disponível:<http://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/miguel+nicolelis+quer+espalhar+ciencia+pelo+brasil/n1597087584972.html>.
Acesso em: 02 jan. 2014.

- BERNARDO, André. O Cérebro no Controle: os novos poderes da mente. In: Galileu, Rio de Janeiro, n. 246, p. 39-47, jan 2012.